Histórias de Moradores de Itatiba

Esta página em parceria com o Museu da Pessoa é dedicada a compartilhar histórias e depoimentos dos Moradores da Cidade.


História do Morador: José Reinaldo Pontes
Local: São Paulo
Ano: 06/08/2008



 



Vídeo: Vivendo de livros


Sinopse:

Reinaldo Pontes fala sobre a origem da família: portuguesa e italiana; a atividade profissional como livreiro, a ligação com os estudos de pós-graduação. Ele relembra o período de infância em Itatiba,as brincadeiras e o trabalho vendendo hortaliças e frutas. Conta sobre seu envolvimento com a atividade comercial, através da compra de livros, a abertura e desenvolvimento da livraria, os investimentos e estratégias utilizadas para aumento das vendas, sua relação com os clientes e o cenário atual da atividade em Campinas.

História

IDENTIFICAÇÃO
Sou José Reinaldo Pontes, nascido em Itatiba, Estado de São Paulo, no dia 14 de abril de 1947.

FAMÍLIA
Meu pai é Joaquim Rodrigues Pontes e minha mãe Zelinda Genoveva Piovezana Pontes. Na minha família, pelo lado paterno, são descendentes de portugueses e pelo o que eu pude constatar, a família Pontes se não veio com Cabral veio logo depois porque ela é muito antiga. Em textos do século XVI já aparece a família Pontes aqui no Estado de São Paulo e no Estado do Ceará. O lado materno é italiano, vem do Vêneto, uma cidade pequena ao lado de Treviso. Os meus avós vieram de lá. O pai e a mãe da minha mãe são de Vêneto. Meu avô veio em 1898. Eles eram agricultores na região de Itatiba; entre Itatiba e Jundiaí. Dedicavam-se ao plantio de uva e fabricação de vinho que seguia pra Judiai. Não sei porque vieram pra Itatiba. Eu acho que isso não dependia muito deles. Eu acho que isso era um pouco determinado. Havia ação governamental que determinava pra onde o imigrante iria, mas isso é uma suspeita. Eu nunca pesquisei a fundo isso. A minha mãe é costureira, trabalhava pra família e também pra fora. E o meu pai sempre se dedicou à agricultura: plantio de uva, milho, em certo período à fabricação do vinho, criação de porcos e criação de galinhas. Mas tudo de forma artesanal, nada em grandes quantidades. Tudo pra atender a família, os vizinhos, o mercado. Tenho uma irmã que é sócia num empreendimento livreiro, portanto ela é livreira também, mas a formação dela é em Psicologia. Ela tem curso superior em Psicologia.

MIGRAÇÃO
Em 68, eu vim pra Campinas, para o comércio. Para estudar eu vim antes porque em 63 eu já fazia o colégio aqui. Na época, era o clássico, hoje é o ensino médio, no Culto à Ciência. Terminei o ensino fundamental em Itatiba e na época não havia o ensino médio. Então vínhamos pra Jundiaí, São Paulo, Campinas ou Bragança, as cidades limítrofes mais próximas. Escolhi Campinas por mero acaso.

FORMAÇÃO
Houve uma minha prima ou tia, eu não sei bem, que se encarregou de me trazer pra Campinas, procurar um colégio. Lembro que nós descemos na estação, descemos pela Rua Treze de Maio e fomos parar no Culto à Ciência. Aí eu fiz um exame de admissão. Depois do Culto à Ciência vem a PUC e um início de mestrado na Unicamp que eu abortei pra me dedicar à livraria. Fiz graduação em Letras, Português-Francês e a pós-gradação em Lingüística. Eu fiz só o primeiro ano de Lingüística, já tinha o meu plano de tese elaborado, mas decidi não passar à pesquisa. Eu optei pelo comércio. Isso ocorreu em 70. Paralelamente aos estudos eu já mantinha a livraria em Itatiba. Então digamos que eu tive uma vida dupla ou talvez até tripla entre os anos de 68 a 72: estudante, professor e livreiro. Depois vou acabar seguindo para o ramo livreiro e depois editor. Mas isso já é uma outra história.

INFÂNCIA
Nós morávamos na zona rural de Itatiba. Eu caminhava cinco, seis quilômetros do sítio onde residíamos até a escola. Tanto no grupo escolar - quatro anos no Julio César... Escola Estadual de Primeiro Grau, na nomenclatura de hoje, mas na época era o Grupo Escolar Coronel Julio César. E depois mais quatro anos de ginásio no Ginásio Estadual Manuel Euclides de Brito. Então era uma caminhada diária de cinco quilômetros pra ir e pra voltar. Assim foram os oito anos de Itatiba. E fora estudar, nós ajudávamos no sítio. Uma vez por semana, eu pegava uma cesta de verduras e de frutas que eram produzidos no sítio e ia vender na cidade. Era assim que se mantinha a família. Um pouco de venda. Não se tratava de exploração infantil. Hoje talvez os meus pais fossem condenados pelo Código da Criança e do Adolescente. Na época era normal, todo mundo fazia isso. Jogávamos futebol e tinha as brincadeiras tradicionais de criança, pega-pega, aquelas coisas.

CIDADES / ITATIBA / SP
Itatiba, na época, era uma cidade de aproximadamente 20 mil habitantes e hoje tem quase 100 mil, que é a proporção do crescimento das cidades brasileiras. Nós estamos falando de 50 anos atrás e era uma cidade calma, pacata. Hoje já não é tanto. Hoje tem 40 mil veículos na cidade e por aí se vê que terminou a “pacatez itatibense” ou “pacatez itatibana”. Descobri, recentemente, que há uma crônica do Drummond que fala de Itatiba e ele fala em “pacatez itatibana”. O mundo do livro é bom porque descobrimos essas coisas. Você podia imaginar que Itatiba mereceu uma crônica do Carlos Drummond de Andrade em 1963? Descobri na semana passada.

INFÂNCIA
Eu tinha os amigos do sítio, os vizinhos, amigos de futebol, de brincadeira e os amigos da escola que eram todos da cidade. Quando eu ia fazer compras... Claro que o grosso das compras eram feitas pelo meu pai, inclusive, era pago por ano, marcava tudo numa caderneta; a famosa caderneta da venda. Isso não só na venda, também na padaria. E é incrível, é inconcebível uma coisa dessas hoje. Pagava por ano na colheita. Quando colhia a uva, pagava. Os compradores eram de Jundiaí, tradicionais fabricantes de vinho. Depois íamos no armazém e pagávamos a conta anual. Na padaria também. Eu me lembro que fazíamos as compras na venda do Pascalão. Claro que ambos não existem mais. Existem apenas os prédios. Comprávamos tudo em Itatiba. Na pior das hipóteses em Jundiaí. São Paulo, só os atacadistas iam, acho eu.

FORMAÇÃO
Eu fiz o grupo escolar, o ginásio, o colégio e no colégio, no Culto à Ciência, portanto, é que eu comecei a me despertar para línguas. Eu gostava das aulas de francês desde o ginásio. As aulas de francês, inglês, latim. Eu tinha uma predileção. A própria língua portuguesa, é claro. Isso fez com que eu decidisse a fazer Letras. Não houve nenhuma imposição. Em algum momento tive a ligeira idéia de fazer o Itamaraty, fazer a carreira diplomática, mas isso passou rápido.

CIDADES / CAMPINAS/ SP
Quando vim pra Campinas passei por várias fases. Morei em pensão na José Paulo, na Aquidaban. Não havia essa Aquidaban de agora, era simplesmente uma rua antiga. Eu tinha uma tia em Valinhos também. Então em alguns períodos morei em Valinhos. Ficava na casa da minha tia que era muito mais próximo do que Itatiba. Era um período também que eu viajava diariamente. Naquela época não existia a rodovia Dom Pedro e o ônibus vinha por Valinhos para Campinas. Eu vinha todo dia, mas era um problema muito sério porque tinha que sair de lá às seis horas da manhã e tinha que sair de casa às cinco. Isso gerava certa dificuldade. Então as soluções foram mesmo pensões e a casa da tia.

VOCAÇÃO PARA O COMÉRCIO
A inclinação veio naturalmente durante o ginásio em Itatiba. À medida em que comecei a ler livros da biblioteca e os que eu ganhava do professor, por ter feito uma boa redação. O professor dava um livro do Monteiro Lobato. Aquela sede de leitura me levou a procurar livros e comecei a comprar pelo reembolso postal. Um método de compra jurássico; hoje ninguém compra mais por reembolso postal, é tudo pela internet. Mas eu comecei a comprar pelo reembolso postal pra saciar a minha sede de leitura. Os livros que havia na biblioteca não davam. Percebi que outros colegas e também os professores queriam comprar livros, mas não tinham tempo e não tomavam a iniciativa de comprar. Então eu passei a aceitar pedidos incluídos no meu, ou seja, eu pedia O Guarani, do José de Alencar: “Ah, eu vou pedir o Guarani.” “Pede um pra mim também.” “Ah, eu estava a fim de ler Os Sertões.” “Pede um pra mim.” E eu comecei a pedir. Vinha tudo da Editora Gertum Carneiro que depois mudou de nome para Tecnoprint e hoje chama-se Ediouro. Eles tinham um serviço de reembolso postal que funcionava muito bem. Eles mandavam catálogos para o Brasil todo. Publicavam, e publicam até hoje, aquelas palavras cruzadas. Junto delas vinha a proposta de compra naqueles folhetos e eu fazia as compras. A partir daí eu passei a colocar um pequeno lucro em cima disso. A editora me dava um desconto. Comprando dez, você ganha - sei lá - mais um livro. Aí eu tinha dez livros pra comprar e esse livro que vinha a mais, eu vendia e comecei a sentir gosto pelo lucro. Esse gostinho pelo lucro ficou. E a coisa foi caminhando até eu ser forçado a abrir uma livraria em Itatiba, forçado entre aspas. Porque não tinha na cidade uma livraria e havia essa demanda reprimida, pequena, mas havia. Deu no que deu: tive que abrir a livraria. E assim foi na Rua Camilo Pires, 437. Estamos no ano de 1968. Eu tinha 21 anos. Já tinha feito o Culto à Ciência e estava na faculdade.

ADOLESCÊNCIA
Ia ao cinema: Cine Santa Rosa, Cine Marajoara, Cine Avenida. Os filmes eram seriados. Víamos o Zorro, o Tarzan. Acho que eu gostava mais dos seriados que passavam antes do filme. E cinema era um dos passatempos. Leitura também. Bailes, clubes assim só movido pelo futebol mesmo. A parte social não. Eu sempre fui anti-social nesse sentido de freqüentar bailes. Inclusive, eu acho que eu nunca fui a nenhuma formatura.

TRANSPORTES
O transporte era sempre de ônibus. Agora, as viagens para outras cidades sempre se restringiram a Valinhos. Tinha essa tia que me acolhia quando eu estudava em Campinas. Andei de trem. Houve um trem em Itatiba, mas ele foi extinto acho que eu tinha cinco ou seis anos. Não tenho lembranças. Apesar de que vagamente eu tenho na cabeça um apito que parece que era o último dia que o trem ia funcionar. Chamava-se Estrada de Ferro Itatibense. Ia de Itatiba a Louveira. Então quem queria ir de Itatiba a Campinas tomava um trem até Louveira e em Louveira pegava outro até Campinas. Jundiaí e São Paulo era a mesma coisa, mas eu nunca utilizei. Só estou me lembrando vagamente do apito que me parece que era o último dia do trem. Mas eu viajei de trem muito de Campinas a São Paulo já no início da minha atividade livreira aqui em Campinas. Também fui a Rio Preto de trem entre os 15 ou 18 anos. E me lembro de ter feito uma viagem de trem de Bragança a Campo Limpo. Havia uma linha bragantina. Tinha a Estrada de Ferro Itatibense, que era Itatiba e Louveira, e tinha a Estrada de Ferro Bragantina que vinha de Vargem, que é quase na divisa com Minas Gerais. Vinha por Vargem, Bragança e ia parar em Campo Limpo. Mas a pessoa de Bragança que quisesse vir a São Paulo, embarcava em Bragança e ia até Campo Limpo, de lá pegava a Paulista. Era assim que funcionava. Essas são as lembranças do trem. A lembrança que eu tenho dessa viagem de Bragança a Campo Limpo é que eu cheguei com a camisa toda furada das fagulhas do trem. Mas as viagens para São Paulo e Campinas, Campinas e São José do Rio Preto eram uma maravilha. Eu adorava o trem, adoro até hoje. Eu acho um crime o que foi feito no Brasil com a extinção dos trens. Você pode considerar a ferrovia extinta no Brasil. Eu passo agora ali na Paulista e desce lágrima no olho de ver o estado em que estão as ferrovias. Não existem mais, na minha opinião, é um absurdo total e completo. Quando vemos que todos os países ainda têm. Ontem mesmo nós vimos no noticiário que são duas horas e três minutos de Londres a Paris. É uma maravilha. Japão, América do Norte, todo mundo avançando na tecnologia ferroviária e o Brasil optou pelas rodovias. Não foi um bom caminho, não foi um bom caminho. Eu tenho sérias dúvidas sobre o futuro do transporte coletivo no Brasil. Quando eu comecei a utilizar a rodovia Anhangüera para buscar livros em São Paulo, nas editoras, eu pegava ônibus. No início de tudo isso, claro, eu não tinha carro. Era tudo de ônibus. Ou trem a partir de Campinas, ou ônibus a partir de Itatiba. A Anhangüera já existia só que era uma pista só. As outras todas vieram depois. A Bandeirantes, Dom Pedro são posteriores. Mesmo a estrada para a viagem Itatiba e Jundiaí, na época da minha infância, era toda de terra. Lembro que dos dois lados da estrada tinha erva cidreira. Não sei porque eu lembro disso, mas tinha erva cidreira. Eu não sei se eles plantavam... Eu acho que tinha a ver com algum problema de erosão e erva cidreira tem uma raiz forte e segura. Do começo ao fim era plantado de erva cidreira. Hoje nós vamos procurar erva cidreira pra fazer um chá e não acha mais. Tem que comprar de pacotinho.

CIDADES / CAMPINAS / SP
O desenvolvimento de Campinas é uma coisa que acho até desproporcional com relação a outras regiões do país. Eu reputo isso a ela ser se um entroncamento rodoferroviário e aéreo muito importante. Então essa situação geográfica privilegiada fez esse torvelinho. Transformou Campinas numa metrópole. Essa localização geográfica privilegiada atraiu as multinacionais e as universidades, tudo para fazer esse pólo de crescimento.

COMÉRCIO DE CAMPINAS
A escolha da localização da livraria em Campinas foi pautada pela mesma orientação de Itatiba. Eu pensei num lugar central onde tudo acontecia. No caso de Itatiba, no centro havia os clubes e o comércio. Quando chegou a hora de Campinas, porque em Itatiba estava limitado, a orientação foi a mesma: “Preciso ir onde em Campinas? Ao centro?” Então passei a ficar de olho no centro, à procura de um local pra me estabelecer. Nesse momento, apareceu uma oportunidade. Na época, eu já era freqüentador das livrarias do centro de Campinas: a Livraria Teixeira, Livraria João Amêndola, Livraria Imaculada, Livraria Martins. Todas tinham o sobrenome do dono... Livraria Brasil. Eu descobri uma livraria na Rua Doutor Quirino que se chamava Lisa, Livraria Lisa. Por que esse nome? Porque era sucursal de uma editora em São Paulo que estava em franca expansão, a Lisa Livros Irradiantes. É uma editora que na época tinha muita presença no mercado editorial principalmente no ramo de livros escolares e eles abriram filiais em “n” cidades do Brasil e esse crescimento rápido foi problemático pra eles. Tiveram que começar a fechar para concentrar as atividades em São Paulo e botaram à venda as livrarias. Eu tinha contato com o gerente que era irmão do proprietário. Eles estavam falando em fechar ou vender e coloquei-me como candidato à compra. O negócio foi concretizado. Esse é o local onde eu estou até hoje, na Doutor Quirino. Claro que o prédio é outro. Era um prédio antigo e no momento em que não teve mais condições, nós tivemos que partir pra demolição e construção de um prédio novo. Na época a PUC funcionava 100% no centro. Todos os cursos eram na Marechal Deodoro. As escolas de segundo grau eram todas no centro, depois é que abriu a Notre Dame. A Unicamp estava engatinhando ainda e os alunos da Unicamp compravam todos os livros no centro. Hoje a realidade é bem outra, ninguém vai mais ao centro. E quando eu digo ninguém, é ninguém mesmo. Não há nenhum exagero disso. No que diz respeito ao consumo de livros, todo mundo vai aos shoppings e nas próprias universidades. Até o ano passado havia 37 livrarias dentro da Unicamp. Dentro da PUC passa-se o mesmo nos diversos campi. Então isso tirou totalmente o público de livro do centro. E isso se aplica não só às universidades, mas às escolas também. Há um novo fenômeno acontecendo. As editoras vendem direto às escolas. Muitas escolas produzem os seus próprios métodos, portanto os alunos já não compram livros porque os preços dos livros já estão embutidos na matrícula, na mensalidade. Isso trouxe uma queda brutal no faturamento das livrarias, o que redundou no fechamento de muitas. A Papirus, por exemplo, que tinha quatro livrarias em Campinas hoje não tem mais nenhuma. Eles centralizaram tudo na editora. Fecharam quatro livrarias. A Livraria Livropel fechou recentemente. Ela existia desde 1980, aproximadamente. A Papirus é de 76, começou dois anos depois de mim. A Livropel quatro, cinco anos depois. A João Amêndola fechou, a Universal também. Todas as que eu citei anteriormente no ato da minha pesquisa pra abrir uma livraria fecharam. Esse grupo migrou. E não vamos falar na internet. Porque isso já é um outro problema. O público do centro migrou e o centro de Campinas está feio. Tem que tirar essas placas horríveis, tirar todas essas placas pavorosas. Mas pra isso é só uma lei como fez com muita felicidade o prefeito de São Paulo. Ele fez um trabalho fantástico. Em minha opinião, isso é que tinha que ser feito há muito tempo. Acho louvável esse trabalho, que não é nenhuma novidade. Quem viaja para cidades européias vê como é que se faz um centro de cidade. Como é que se preservam os centros das cidades. O Rio de janeiro está conseguindo grandes avanços. Na região da Lapa, Praça XV, Rua do Ouvidor. As pessoas se movimentam hoje com tranqüilidade. As livrarias estão voltando, estão nascendo novas livrarias. Não só livrarias como outros tipos de comércio. O pessoal faz happy hour no centro, coisa que tinha desaparecido no Rio de Janeiro. Infelizmente, Campinas não acordou ainda pra essa realidade. Nós tínhamos alguma perspectiva anos atrás, mas houve um lamentável assassinato que estragou um pouco os planos do prefeito então empossado.

PRODUTOS
A minha livraria é uma livraria geral, embora se proponha a trabalhar com tudo, o que é difícil. Então nos centralizamos em Ciências Humanas. E dentro das Ciências Humanas, as áreas prioritárias são Sociologia, Filosofia e Lingüística. Em cima de Idiomas também tem uma parte considerável. Livros de arte, dicionários. Eu não êxito em falar que o nosso setor de dicionários é o melhor do Brasil e o nosso setor de Futebol, que é uma criação mais recente, justamente pra fazer face à concorrência. Diante da concorrência das escolas, das editoras e da internet, nós criamos um andar só para o futebol e com isso nós reunimos toda a bibliografia brasileira do futebol em Campinas na rua Doutor Quirino, 1223. Nós recebemos toda semana pessoas do interior do estado, de São Paulo, do Rio de Janeiro, de outros estados e de outros países que vêm só pra visitar o nosso setor de futebol. Não é o mais completo do Brasil, é o único do Brasil. Eu só tenho paralelos nas livrarias inglesas onde eu fui me inspirar pra fazer esse trabalho, claro. Para isso que se viaja. Se viajar e não aproveitar nada pra que vale viajar? Para tonificar o setor Futebol, eu tive que sacrificar dois setores: Informática e Direto. Eu não trabalho com Informática e Direto. Informática porque são livros de vida muito curta e quem está no mundo da informática não precisa de livros, o computador resolve tudo. E o Direito, porque pra essa área você precisa ter um especialista no setor e há várias livrarias especializadas em Direito na cidade. Não tem sentido concorrer com eles. Eles fazem um bom trabalho, são especializados. Eu procuro outras áreas pra trabalhar. Esse é o meu pensamento. Depois do Futebol, nós criamos também uma área, sempre no sentido de inovar, um setor original que é literatura sobre Cachaça, Bares e Boemia. Nós tivemos a visita do Jaguar lançando livro e não pude me furtar da idéia de criar um setor de bibliografia brasileira da cachaça, boemia e bares. E claro que não vai ser uma coisa tão extensa quanto o futebol, que já tem quase dois mil títulos, mas é diferente. Nós colocamos lá algumas cachaças também para dar uma cor local ao setor e mantemos os setores normais, literatura variada e arte, sem nunca esquecer que nós fazemos importação direta de livros também de alguns países. São os casos de Portugal, Espanha e França, que nós temos importação direta através de colegas livreiros de outros países; nós importamos via importador. Nós temos um andar para livros franceses. Temos lá todos os métodos utilizados nas escolas, literatura francesa clássica, contemporânea e livros de arte e ciências humanas também.

REFORMA
Tivemos que demolir o prédio antigo que estava inadequado à circulação de pessoas com o aumento de livros e condenado pela incursão de pombas, ratos, baratas e cupins que estavam comendo toda a estrutura de madeira e prateleiras. Então antes que aquilo caísse, eu optei por fazer um novo projeto e baseado mais uma vez em modelos estrangeiros. Optei por uma estrutura de aço considerando, inclusive, que havia uma economia cerca de 30% sobre a construção em alvenaria, além de ser uma nova proposta arquitetônica. Infelizmente, eu tentei comprar um prédio ao lado pra fazer uma expansão horizontal, mas não houve possibilidade, ninguém vendia dos lados, na época. Então eu tive que optar pela verticalização e isso me custou um problema sério. Com o tempo, eu comecei a perceber que a maioria das pessoas não gostam de subir escadas. Só os clientes de futebol, eles não tem problema nenhum, mas as pessoas de mais idade não gostam de subir escada. Nessa nova livraria havia espaço pra abrigar muitos livros, de acordo com a expansão das editoras, que já chegam a três mil no Brasil. Números alarmantes com relação à livraria. Não chega isso de jeito nenhum no Brasil, creio que chega a metade. Enfim. Dedicamos a entrada da loja às novidades. Então quando você entra na loja tem as novidade, ou seja, nada original: os Paulo Coelho, as auto-ajudas, literatura popular e os livros de arte. As surpresas vêm depois: os livros infanto-juvenis estão no subsolo, a literatura para adultos está no primeiro andar, no segundo andar vem o Futebol e outros esportes, depois vem as ciências médicas e odontológicas e, finalmente, a livraria francesa. Portanto, o pessoal que vai ver livro francês tem que estar bem preparado fisicamente porque está lá no último andar.

EMBALAGEM
Não usamos mais o papel pra embrulhar. São aquelas sacolas de plástico. Procuramos sempre fazer uma sacola de qualidade porque a sacola sem qualidade é destinada ao lixo e isto não é bom. Fazendo sacola de qualidade, a pessoa recicla e continua usando. Vai à feira com ela e isso é publicidade pra livraria e não estamos gastando material inutilmente.

PUBLICIDADE
Nós não temos nenhuma estratégia de publicidade a não ser as sacolas e as etiquetas que nós colocamos nos livros. Seja nos livros pra presente ou nos livros normais nós colocamos uma etiqueta para as pessoas lembrarem que existimos. Mas nós não fazemos nenhum tipo de publicidade em jornais ou revistas.

PROMOÇÕES
Fazemos periodicamente promoções. Por exemplo, livros que nós compramos em grandes quantidades cujo tempo venceu, as pessoas já se cansaram um pouco daquele tema, nós costumamos fazer promoções. Colocamos preços 50% abaixo do mercado. Às vezes, até menos porque guardar o livro não me parece ser uma boa política. O livro tem que circular. Quanto aos livros de literatura infanto-juvenil, por exemplo, freqüentemente oferecemos às bibliotecas de bairros carentes, às creches, escolas que lutam com dificuldades. Não só em Campinas, mas em outras cidades do interior. No Sul de Minas, nós oferecemos para as bibliotecas. Então, além de fazer a promoção, fazemos também esse tipo de oferta porque já se aferiu ao lucro que podia e não custa também fazer essa parte porque eu acho importante também a livraria participar socialmente.

CLIENTES
O atendimento aos clientes é feito em primeiro lugar no balcão. A pessoa que chega pede o livro. Tem ou não tem. Quando não tem, oferecemos a possibilidade da encomenda. A encomenda chega em três dias, quatro no máximo, porque sabemos que rapidez é essencial. Quando a pessoa está empolgada na aquisição de uma obra literária, seja por gosto pessoal, seja por imposição do professor, ela precisa do livro com rapidez senão vai perder a motivação para a leitura. Então costumamos entregar o livro em três dias. Esse atendimento de balcão é feito também por telefone. Por telefone é possível o mesmo o tipo de atendimento. Pegamos a encomenda e entregamos em domicilio. É um motoqueiro que faz a entrega, não só em Campinas como em qualquer cidade da região. Para cidades mais longínquas, em outros estados principalmente, segue por sedex. As aquisições são feitas todas nas editoras. A maioria em São Paulo. São Paulo concentra seguramente 68% das editoras brasileiras. As outras, 20 ou 25% estão concentradas no Rio e algumas em Porto Alegre, Belo Horizonte e Curitiba. Esse é o mundo editorial brasileiro que se concentra aí. A pessoa pode circular pela livraria sem ser incomodada. Pela maneira que a pessoa entra numa livraria, os funcionários já sabem se é uma pessoa que precisa ou não ser atendida. Há pessoas que são auto-suficientes. Quer quando conhecemos, quer quando não a conhecemos, já sacamos que a pessoa está direcionada. Então ela vai no setor, pega o livro e vai ao caixa. As pessoas dependentes procuram um funcionário logo na entrada da loja e apresentam o papelzinho da escola ou recorte do jornal e o funcionário faz a pesquisa no computador e depois verifica a existência física do livro para entregar para o pagamento no caixa ou para efetuar a encomenda. Felizmente, em mais de 50% dos casos temos o livro a pronta-entrega.

FIDELIDADE
Existe cliente fiel e infiel. Os clientes fiéis hoje são poucos, mas eles ainda existem. Existe cliente que pesquisa na internet, vai no concorrente, vem e pede mesmo que não tenhamos. Agora existem outros que não pensam duas vezes: ele vai no concorrente ou pede por outros meios sem maiores delongas. Então, a gente convive com os dois tipos de clientela, mas claro que nós gostamos muito mais dos clientes fiéis.

FUNCIONÁRIOS
Os funcionários que trabalham comigo estão há muito tempo. Todos eles receberam essa orientação ao começar. E se um novo começar agora ele vai receber a mesma orientação. Não molestar o cliente, deixá-lo à vontade, mas ter perspicácia e sentir que tal pessoa necessita de ajuda e então abordá-la e oferecer-se para ajudar.

FORMAS DE PAGAMENTO
A mudança é brutal. A livraria em Campinas tem 33 anos. Durante os primeiros dez ou 15 anos todo pagamento era efetuado em dinheiro e em cheque. Os cartões não existiam. Inclusive tínhamos uma forma de pagamento muito original que chamávamos de “conta-amizade”. A pessoa tinha uma fichinha numa pasta, hoje seria no computar, na época era numa fichinha e a pessoa pegava o livro que ela queria ler e levava, e debitávamos. Na semana seguinte ou um mês depois ela vinha e pagava aquele e levava outro ou outros. E isso ia se acumulando e a pessoa ia saudando o débito anterior fazendo uma nova comprar. Nos últimos anos, esse tipo de negócio desapareceu e com os cartões houve uma inversão total. Já não se recebe tanto dinheiro e nem cheque. Cerca de 70% das nossas vendas são com o cartão. Dinheiro e cheque representam apenas 30%. Então houve uma mudança radical, em minha opinião, para pior. Eu não gosto de receber em cartão. Uma que eu vou receber daqui a 30 dias e outra que eles me descontam 3% sobre o valor. Eu acho que cartão é bom para quem paga. Para quem recebe, nem tanto, principalmente no meu ramo do livro onde o lucro é limitado. O lucro do livro, isso é sabido, é universal, é de 30 a 40% no máximo. Quando é uma promoção é menos porque eu tenho que reduzir o nosso lucro pra vender mais, como no caso citado anteriormente de livros que estavam parados, encalhados, já cumpriram o seu papel e têm que partir. Então esse cartão não veio para o bem. Mas é um mal necessário. Sem ele não se vende. A inadimplência existia. Era mínima, não era nada preocupante, e essa inadimplência era absorvida porque nós vendíamos muitos livros. Ao abrir a loja às oito horas já havia gente esperando para comprar livros. No início de aulas havia mesmo filas para comprar livros em todas as livrarias da cidade. Então esse grande movimento, essa venda de grande número de livros fazia com que a inadimplência fosse absorvida. Hoje a inadimplência continua existindo e ela não é absorvida porque a margem de lucro está igual, mas o volume de vendas diminuiu e muito. Estou falando de livraria tradicional. Não sei como se comportam, por exemplo, as grandes redes porque a minha livraria é uma livraria no modelo tradicional. Agora as grandes redes devem ter uma forma de funcionamento para enfrentar essa realidade de outra natureza.

COMÉRCIO DE CAMPINAS
O grande número de shoppings e redes de hipermercados na região metropolitana de Campinas foi muito bom para o consumidor que tem um local de lazer onde ele resolve todos os seus problemas. Vai ao cinema, vai ao supermercado etc. Mas um desastre para o centro da cidade. O centro da cidade sofreu esse impacto e hoje nós somos sacrificados com a existência dos shoppings. Inclusive, normalmente, me perguntam porque que a Livraria Pontes não vai para o shopping. É uma questão ideológica. Eu não vou para o shopping. Eu fico no centro que é a minha opção de comércio. Não me interessa o modelo livraria no shopping. Nenhuma razão comercial. Talvez até exista, mas está meio profunda essa razão. Presumo que as despesas de se manter uma loja no shopping são muito altas. Então eu me pergunto se por mais que você venda compensa fazer face a essas despesas. Talvez seja essa a pergunta que eu tenho me feito e eu optei por resistir bravamente no centro da cidade.

DESAFIOS
O maior desafio que eu enfrentei nesses 33 anos de atividade em Campinas é exatamente o último ponto abordado: o desafio é esse de agora, de como sobreviver a preferência do público de classe média e alta que vai consumir nos centros comerciais. Esse é o grande desafio. Fora esse eu não vejo nada que pudesse no passado me tirar o sono.

FAMÍLIA
Os meus pais nunca fizeram parte da livraria porque eles têm um mundo deles e nunca se imiscuíram nos negócios da livraria. Quanto a minha irmã, ela se integrou à livraria após ter concluído o curso de Psicologia. Ela está perfeitamente integrada como sócia e faz parte, vivendo os bons momentos e os momentos de preocupação que vivemos com a realidade atual. E os sobrinhos também. Hoje dois deles estão trabalhando na livraria como bravos resistentes também.

EDITORA
Depois que a livraria já estava consolidada, eu adquiri o prédio. No início era alugado. Quando eu comprei a livraria da Editora Lisa em 1974 eu comprei o estoque de livros, as prateleiras e o ponto. Alguns anos depois eu consegui comprar o imóvel. Alguns anos depois eu estava diante de um novo desafio. O primeiro desafio foi comprar a livraria. O segundo comprar o imóvel. O terceiro, a livraria estava constituída e tem o seu caminho. Eu preciso criar um novo segmento no negócio do livro. Então já era uma idéia que eu tinha desde os tempos da livraria de Itatiba, onde eu já tinha publicado um livro sobre a cidade e decidi entrar no negócio da edição. Comecei com oito títulos na área de Lingüística porque como eu tinha feito Letras, Português-Francês, curso de graduação e depois iniciado o mestrado em Lingüística, os meus conhecimentos bibliográficos estavam mais orientados por aí. Então eu comecei publicando oito livros de Lingüística de uma vez só. Tudo, claro, com recursos da livraria. A editora é uma parte da livraria nesse momento. Depois que ela vai ficar independente. E todos esses livros foram muito bem sucedidos. Todos com edições de dois mil exemplares cada. A maioria se esgotou com certa rapidez e isso me possibilitou fazer um novo lote de mais quatro e depois mais quatro e assim o negócio foi se consolidando até que nós publicamos um método de português para estrangeiro. Esse é o carro-chefe da editora e é sucesso mundial. A gente vende cinco mil exemplares por ano, o que para a língua portuguesa é um bom número. Ele é só vendido no estrangeiro. Um ou outro exemplar é vendido aqui pra alguém que quer levar pra um amigo, mas toda a produção vai para o Japão, América do Norte e Mercosul, mais especificamente Argentina e Uruguai. Hoje a editora está independente, com 300 títulos publicados e funciona também em prédio próprio, próximo ao campo do Guarani, na Vila Lemos, na Avenida Arlindo Joaquim de Lemos, 1333. E conta com autores nacionais. Nós começamos com oito autores nacionais, hoje temos alguns autores estrangeiros, algumas traduções do francês ou do inglês.

CLIENTES
Várias técnicas são usadas pra detectar a demanda dos clientes. A primeira delas é leitura, muita leitura de suplementos literários, de suplementos culturais, revistas especializadas brasileiras e estrangeiras e do próprio movimento da demanda no balcão. Porque todos os livros solicitados no nosso balcão são registrados mesmo que nós não o tenhamos e o freguês não o encomende. Ele serve como base para uma estatística, para ver que área está sendo pedida. É Auto-Ajuda, é Literatura, Espiritismo, Política ou Economia? Qual é a área que está tendo a preocupação dos leitores? Na editora é a mesma coisa. É só acompanhar as publicações e ver as tendências do gosto do público e por aí aferimos se o livro interessa ser traduzido ou publicado, ou não.

LIÇÕES DO COMÉRCIO
Perseverança, luta. Não pode deixar a peteca cair, tem que continuar sempre batalhando e criando. Criar e procurar sempre sair do caminho comum e desbravar novos horizontes. Essa é a lição que fica e nós continuaremos nos pautando por ela.

MEMÓRIAS DO COMÉRCIO DE CAMPINAS
Eu tive a oportunidade de verificar alguns livros já publicados nesse projeto sobre outras cidades e tive a impressão de que se trata de uma excelente forma de documentar uma parte da história da cidade, e conseqüentemente, do país: através dos trabalhos dos comerciantes que as constroem. Nessa construção está o progresso, a vida está inserida nesse trabalho dos comerciantes. Eu acho muito positivo e muito oportuno esse trabalho. Eu acho que vocês foram muito gentis nos convidando para esse depoimento e eu espero ter respondido às perguntas da forma, se não completa, pelo menos o mais objetivamente possível.

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